"Pûs o primeiro pé na grande escadaria circular"
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De súbito, foi como se tivesse sido lançado e presentei-me num outro lugar.
Seria longe da escadaria? Indeterminado: teoricamente a escadaria não existia.
O lugar era completamente diferente de onde viera. Encontrava-me no meio de uma festa de anos, e á primeira vista era infantil. Tinha balões coloridos á volta do compartimento, fitas e brinquedos. A comida era simplística. Não pude deixar de reparar que sentia uma forte presença de Dèjá-vu.
Um aglomerado de pessoas juntava-se á volta de uma mesa. Na cabeceira desta, encontrava-se um rapazinho confuso sem perceber o que se passava alí. Olhei de relance para as velas. Estas diziam-me que o rapazinho realizava o seu primeiro ano. Não reparei no nome do aniversariante que vinha no bolo.
-Que festa espectacular que está a ser não achas? - Esta pergunta foi dirigida intrisicamente a mim, de maneira a que eu dei um pulo. A voz continuou - Parece que toda a gente se está a divertir.
-Desculpe, mas o senhor está a dirigir-se a mim? - Perguntei. O homem apresentava feições sorridentes, e umas vestes compridas.
-Se me estou a dirigir a ti? Penso que sim, no entanto tanto eu como tu podemos estar a alucinar, e essa certamente seria a conclusão mais lógica. Mas penso que ambos não acreditamos que isto seja um sonho, estarei errado?
-Pois...penso que não. E penso que também seria uma pergunta um pouco parva perguntar quem é o senhor não é? - respondi de maneira a parecer um maluco a achar essa possibilidade sequer plausível.
-Já estamos a aprender! - respondeu sorridentemente, enquanto me piscava o olho. Fez uma breve pausa. - Já notaste alguma coisa em particular deste lugar?
Realmente, tive que pensar numa resposta a essa pergunta. Eu tenho tido uma noção de Dèjá-vu durante a "festa", mas para além disso...
-Nada de muito notável. - decidi responder
-Então sugiro que olhes á tua volta com maior pormenor em vez de apenas agarrares-te ao Dèjá-vu. - respondeu com "ênfase nos olhos", dirigindo-os ao bolo de aniversário como quem me quer indicar alguma coisa. Penso que a minha resposta á pergunta do "quem era o senhor" fora respondida, a partir de que ele adivinhara a minha noção de Dèjá-vu sem eu lhe ter dito ou ter subentendido.
Percebi a indirecte, logo, aproximei-me do bolo. Olhei pormenorizadamente aos detalhes mínimos do bolo, como a sua cor, decorações, tamanho...só depois notei que não tinha olhado ao mais importante facto de todos. Olhei, devagar, ás letras esritas em doce. As letras, sujeitavam cuidado de escrita, e tinham as mesmas do meu nome. O rapazinho tinha o meu nome. Reperei que não fesse Dèjá-vu, mas igual mesmo. Talvez não fosse apenas o nome igual, mas tudo. Apercebi-me de que a "festa" em que me encontrava era idêntica á minha primeira festa de anos. Não sei como não reparei na minha mãe, pai, irmãos etc.
-Sim, esse rapazinho aí és tu. - Afirmou no meio da minha conclusão - Tudo o que neste momento te rodeia, já foi dito, escrito, respirado, comido. Todas as pessoas que tu vês, são as mesmas pessoas que s encontraram na tua primeira festa d'anos; todas elas se sentam no mesmo sítio, comem a mesma comida, falam as mesmas conversas, respiram o mesmo ar. Tudo se repete, dando origem a acontecimentos que, na verdade, já ocorreram anteriormente.
Estava perplexo. Como seria aquilo possível? Passado, presente e futuro são coisas paralelas. Acabei de chegar e já ficara confuso. Mas afinal, para que chegara eu?
-Mas então... - tentei encontrar as palavras certas. Ele antecipou-se.
-...porque é que te chamei aqui? É simples...toda a gente no mundo, viveu á sua maneira, percorreu o seu caminho. Alguns da maneira correcta, outros da maneira errada. Mas o certo, é que muita gente que errou (e toda a gente erra, apenas uns mais que outros) , diz-se arrependida de que errou. Mas tu, um dia ouvi-te, e houve algo em ti que me chamou a atenção...tu não tinhas a certeza se erras-te se não. Tu pedias desculpa por "qualquer incidente que possas ter causado" e não que "causate". A princípio não gostei, achei que era apenas uma maneira de te livrares do peso das costas. Mas depois, reparei que era realmente sincero, que não tinhas a certeza, e que mostrava um sinal de não hipocrisia: admitias que podias ter errado, mas no entanto não afirmavas nada. Sentia que estavas a ser sincero. Por isso decidi mostrar-te os caminhos que percorreste, e dar-te a livre vontade de os mudares se assim o desejares. No entanto, não podes interferir directamente "contigo". Apenas te podes sussurar, tentar indicar o caminho correcto. Isto se passará pelos episódios em que tiveste mais dúvidas, e cada episódio simboliza um degrau, até chegares ao topo, á glória. Isso reflecter-se-á no amor, dinheiro, vida social, tristeza, felicidade...Preferia que não interpretasses isto como um jogo, mas como uma hipótese de redenção e remendo da tua vida.
-Ou seja, tenho de fazer de "anjo-da-guarda" a mim mesmo?
-Mais ou menos isso. Com o tempo perceberás cada vez melhor o que tens de fazer. Por exemplo, olha para "ti" agora: estão-te a cantar o parabéns...lembras-te de alguma coisa?
O que queria dizer com aquilo? Lembro-me de...
...puxar a toalha da mesa e deitar tudo abaixo!
Apressei-me, e corri para o meu pequeno. Estava já pronto para esticar os meus braços e agarrar as "minhas" mãos e impedir o desastre!
-Ah! Nada de interferir directamente!
Pois é...apenas lhe podia susurrar, aconselhar. Não sabia que efeito isso tinha a um "eu" de 1 ano, mas não tinha nada a perder.
O meu susurro ao meu ouvido, o meu auto-aconselhamento, o meu interferimento...tudo aquilo me parecia estranho. Podera, normal não pode ser!
Não me lembro do que disse, mas o certo é que resultou. O desastre, o escânda-lo do meu primeiro aniversário...nunca chegou a acontecer? Fiquei extremamente confuso.
-Não te preocupes, existem coisas que o facto de não terem explicação é explicação suficiente. - exclamou, quebrando a minha confusão de "isto não é possível".
-Estás-te a referir á Fé?
-Se quiseres... - e soltou-me um sorriso travesso.
De repente, voei de novo, e voltei á escadaria circular.
O 1º degrau encontrava-se limpo, imaculado, e a brilhar. Um brilho branco, que me transmitia esperança e força para dar o próximo passo. Sabia que isto me influenciava fortemente a vida. Sabia que teria de esperar. Sabia que eu podia dar um passo em errado e arrepender-me para sempre. Paciência, arriscaria, esperaria o tempo que for preciso.
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